Para celebrar o centenário da implantação do Imposto de Renda no Brasil, a direção Executiva do Sindifisco Nacional e a diretoria da DS/Rio promoveram, no dia 8 de dezembro, o seminário “IR 100 Anos – Um Imposto de Renda para transformar o Brasil”. A iniciativa faz parte da campanha do Sindicato pela tributação justa.
O seminário teve palestra magna do Auditor-Fiscal aposentado Cristóvão Barcelos da Nóbrega e painéis com especialistas nas áreas de Tributação e Economia, que apresentaram reflexões sobre a importância da reforma tributária e da justiça fiscal no combate à desigualdade social no país.
Homenagem – No encerramento, a diretoria da DS/Rio e diversos filiados presentes prestaram homenagem ao colega Olavo Porfírio Cordeiro, falecido em 10 de março de 2021, em decorrência da Covid-19.
Depoimentos emocionados lembraram a capacidade de articulação e liderança, a generosidade pessoal e o respeito com que Olavo tratava a todos, dentro e fora da Receita Federal e do Sindicato. Esses traços específicos, aliados ao vasto conhecimento técnico e à rica experiência de vida em diversas frentes de atuação, transformaram Olavo numa das pessoas mais queridas nos ambientes institucional e sindical. Por iniciativa dos colegas, uma placa em sua homenagem foi instalada no salão principal da DS/Rio.
Tributar os ricos – A mesa de abertura do seminário foi composta pelos Auditores-Fiscais Luiz Fernando Del-Penho, presidente da DS/Rio, Tiago Barbosa, 1º vice-presidente do Sindifisco Nacional, Maria Regina Paiva Duarte, vice-Presidente do IJF (Instituto Justiça Fiscal), e pelo teólogo, cientista político e historiador Henrique Vieira, recém-eleito para o cargo de deputado federal pelo Rio de Janeiro.
Após os agradecimentos dos dirigentes sindicais à presença dos colegas, Maria Regina falou sobre a capacidade de tributação do IR, especialmente de renda e de patrimônio, para a redução da desigualdade social.
A Auditora-Fiscal lembrou que há 25 anos o Sindicato aponta a necessidade de se corrigir as distorções do tributo e “colocar o rico no IR”. Ressaltou, ainda, a importância da participação sindical nesse esforço, pensando além das questões corporativas.
Viver com dignidade – Henrique Vieira, que também é pastor, utilizou o “Cântico de Maria” para enfatizar que a essência da tradição messiânica é a rebelião contra a injustiça social – “destronar os poderosos e exaltar os humildes”, citou.
Fazendo analogia entre o perfil socioeconômico da época, descrito na Bíblia, e a realidade atual de nossos grandes centros urbanos, o palestrante refletiu sobre a exploração do valor produzido pelo trabalho humano, em nosso país, e a naturalização da desigualdade “como fruto de um modelo econômico e subjetivo” – fato que ele rejeita com veemência.
Afirmando que “devemos pensar estratégias políticas para verdadeiramente produzir saídas para o nosso povo viver bem e com dignidade”, colocou o “mandado à disposição para, com responsabilidade, tirar o Brasil do mapa da fome”.
Registro histórico – Em sua palestra magna sobre o centenário do IR no Brasil, Cristóvão da Nóbrega apresentou a linha do tempo do tributo, associada a fatos marcantes e reviravoltas históricas, bem como à vontade política dos governantes.
Especialista no tema, Cristóvão já produziu 23 vídeos narrando, por meio de imagens, legislações e até músicas populares, cada característica do IR ao longo das décadas. As obras trazem também muitas curiosidades históricas, que contribuem para enriquecer trabalhos e pesquisas acadêmicas, dentro e fora da Receita Federal.
Conforme seus registros, o tributo já incidiu sobre a propriedade e sobre rendimentos isentos – percentual posteriormente devolvido. E, como sempre reiterou o colega, “o Imposto de Renda é o tributo mais importante do país”, pelo volume de arrecadação que gera capacidade de “fazer justiça fiscal e redistribuir renda”.
Segundo o diretor-Adjunto de Estudos Técnicos, Auditor-Fiscal Marcelo Lettieri, os filmes de Cristóvão da Nóbrega motivaram o Sindifisco Nacional a elaborar a campanha focada na utilização do IR para transformar a atual realidade socioeconômica brasileira.
Conforme Lettieri, a elaboração da campanha contou com a parceria do IJF, “para que pudéssemos juntos tratar a história e pensar o futuro pelo viés tributário, especificamente, da tributação sobre a renda”.
Conjuntura e futuro – De acordo com o professor Marcio Pochmann, vinculado ao Instituto de Economia da Unicamp (Universidade de Campinas) e membro da equipe de transição do governo Luiz Inácio Lula da Silva, “o Brasil não tem condições de gerar empregos de qualidade porque a produção está centrada em trabalhos de baixíssima produtividade e empregos de até um e meio salário mínimo”.
Pochmann afirmou que as mudanças na relação de trabalho, implementadas no país a partir de 2016, visam a consolidar o modelo primário exportador e rentista, acentuando o subdesenvolvimento e as desigualdades. “É preciso compreender essa realidade e fazer um esforço para mudar esses fatores”, pois “é impossível construir uma nação dependente desse modelo econômico”, disse.
O economista criticou a ausência do debate e da projeção de futuro do Brasil, uma vez que o cenário atual se concentra em lidar com as emergências cotidianas. Lembrou, ainda, que precisamos discutir as mudanças climáticas no contexto da economia mundial e a passagem da lógica da era industrial para o mundo digital.
“Discutir o futuro é absolutamente necessário num país com tantas desigualdades, mas isso só tem sido feito pelos ricos. É preciso fazer um contraponto e o sindicatos devem ter essa função”, alertou.
Tributação forte – O último painel do evento, “Imposto de Renda Justo exige Administração Tributária Forte”, reuniu os Auditores-Fiscais Paulo Gil Holck Introíni, diretor de Assuntos Institucionais do IJF, Dão Real Pereira dos Santos, presidente do IJF, Ricardo Fagundes, conselheiro do IJF e Natália Nobre, 2ª vice-presidente do Sindifisco Nacional, mediadora do debate.
O Auditor-Fiscal Paulo Gil Holck Introíni afirmou que as entidades escolhem o IR como tema porque a questão interessa a todos e impacta o Estado, o cargo, a sociedade, o mundo do trabalho.
Em sua explanação, Paulo Gil lembrou que o IR ganhou força com a Primeira Guerra e que as classes dominantes sempre foram contrárias ao pagamento de tributos. Tanto que a premissa do neoliberalismo é liberdade para ganhar dinheiro. Porém, em países como Estados Unidos e Inglaterra, as alíquotas do IR superavam os 80% e tinham caráter confiscatório, num pacto entre trabalhadores e empresários para financiar o Estado social por meio da tributação progressiva. No Brasil, a maior alíquota foi de 65%, no governo João Goulart, e reduzida para 25%, nos governos neoliberais, a fim de minimizar a taxação sobre os ricos.
O Auditor-Fiscal enfatizou os riscos globais da tributação centrada no consumo, e não na riqueza acumulada. “Estado mínimo, Receita Federal mínima, Auditor-Fiscal mínimo”, disse, numa alusão direta às tentativas de comparação da remuneração dos cargos na estrutura do Estado.
Carf capturado – O Auditor-Fiscal Ricardo Fagundes iniciou sua apresentação com um documento-carta, assinado por diversas entidades ligadas ao empresariado, solicitando ao governo de transição que mantenha no cargo o atual presidente do Carf, que assumiu o posto em julho deste ano.
Enfatizando que “isto aqui tem lógica”, Ricardo lembrou que o Carf é uma criação dos empresários, com pareceres favoráveis às grandes corporações – situação que se agravou com o fim do voto de qualidade. Além disso, somente no Brasil metade dos conselheiros é indicada pelos grandes grupos empresariais.
A estrutura e os meandros de funcionamento do Carf foram tema de sua dissertação de mestrado, em 2019. Em sua pesquisa, o Auditor-Fiscal estudou 56 países, verificando que, em 44, o limite do prazo para tramitação é de somente um ano. No Brasil, os processos levam, em média, nove anos no Carf e outros nove anos no Judiciário.
Em termos de valores atualizados, conforme levantamento do Auditor-Fiscal, em junho deste ano havia no Carf um estoque de R$ 1,05 trilhão, referente a 92 mil processos. Desse montante, 74% se concentravam em 1.400 processos, com valores superiores a R$ 100 milhões.
Criticando com veemência o modelo atual, Ricardo enfatizou a necessidade urgente de uma reestruturação no Carf, uma vez que o órgão tem sido usado pelas grandes corporações para deixar de pagar impostos, anulando o trabalho dos Auditores-Fiscais da Receita Federal.
Tributação efetiva – O Auditor-Fiscal Dão Real alertou para o descaso do governo com o setor aduaneiro. Segundo dados do IJF relativos à América do Sul, o Brasil tem 60% do PIB (Produto Interno Bruto) e promove 46% do comércio internacional da região, mas concentra apenas 12,4% de todos os serviços aduaneiros do continente. Os dados confirmam o descaso com o papel prioritário da Aduana, que é proteger os interesses nacionais e dar relevância a essa atividade”.
Em seguida, Dão Real analisou a situação do Carf, sob a ótica do esvaziamento do trabalho do Auditor-Fiscal, destacando que “tudo aquilo que fazemos morre se a dívida ativa não for cobrada”. Por isso, é essencial discutir como deve ser esse fluxo de trabalho, para dar sentido ao esforço.
O Auditor-Fiscal lembrou que a desigualdade social é uma crise de civilidade e que “a desigualdade só existe porque os super ricos estão cada vez mais ricos”. Como exemplo, lembrou que quem ganha acima de R$ 300 mil ter a mesma alíquota de quem ganha até R$ 5 mil.
No entendimento de Dão Real, a organização da administração tributária é fundamental para a promoção da justiça fiscal. Dessa forma, tanto a classe média quanto os mais pobres poderão se ver representados, “sabendo que o Estado alcança a todos”.
Vídeo – O seminário “IR 100 Anos – Um Imposto de Renda para transformar o Brasil” foi gravado e o vídeo será disponibilizado em breve pelo Sindifisco Nacional.
Fotos: Jornalismo DS/Rio