O Seminário “O financiamento da Seguridade Social no século XXI, os desafios e perspectivas para o Brasil e para a América Latina” foi realizado na quinta e sexta-feira (27 e 28 de junho), no Rio de Janeiro, pelo Sindifisco Nacional, em parceria com a DS/RJ.
“A Previdência do Servidor Público e do Regime Geral de Previdência Social: Desafios e Perspectivas para o Brasil” – O segundo painel foi mediado pela Auditora-Fiscal Nely Maria Pereira de Jesus, da DS/São Paulo.
O Auditor-Fiscal Arnaud da Silva, diretor-adjunto de Assuntos de Aposentadoria e Pensões da DS/Rio, abordou o Regime Próprio de Previdência Social (RPPS) dos servidores públicos civis titulares de cargos efetivos. Instituído pela Constituição de 1988, é um sistema complexo, que possui caráter contributivo e solidário. Possui hoje sete tipos de aposentadoria: por idade (75 anos), por incapacidade permanente, por deficiência, voluntária, por exposição a agentes nocivos e a que diz respeito a agentes de segurança e professores. Suas características e formas de cálculo, criadas por sucessivas emendas constitucionais, diferem entre si, a ponto de fazer com que os interesses de seus beneficiários cheguem a ser, por vezes, antagônicos.
As primeiras ameaças ao RPPS pleno surgiram em 1998, com a promulgação da EC 20, que prevê a possibilidade de instituição do Regime de Previdência Complementar (RPC) – com a fixação do teto do RGPS (Regime Geral de Previdência Social) para o valor das aposentadorias e pensões a serem concedidas pelo RPPS. As várias alterações na Constituição que se seguiram foram enfraquecendo a Previdência Social dos servidores públicos, cuja situação se tornou ainda mais grave diante das limitações impostas pelo arcabouço fiscal, que prevê corte de gastos sociais.
O deputado Cleber Verde (MDB-MA), via vídeo, se dispôs a receber sugestões sobre a Previdência. Ele é autor da PEC 06 (a também chamada PEC Social), que reduz gradativamente a contribuição previdenciária de servidores aposentados e pensionistas; a proposta, que atualiza os termos da PEC 555/2006, tem sido um dos focos prioritários do Sindifisco Nacional na atuação parlamentar.
A Auditora-Fiscal Maria de Lourdes Nunes Carvalho (Lourdinha), diretora de Defesa da Justiça Fiscal e da Seguridade Social, de Políticas Sociais e Assuntos Especiais do Sindifisco Nacional, fez um retrospecto da história da Previdência no Brasil desde o Império. Explicou que, embora a Constituição de 1988 tenha ampliado o sistema de proteção social, depois do governo Collor (1990) foram aprovadas reformas econômicas para retardar as aposentadorias e reduzir o seu valor, o que acarretou um rompimento do conceito de Seguridade Social. Segundo ela, a Reforma da Previdência de 2019, com a tentativa de privatização da saúde e a precarização da assistência social, aprofundou esse desmonte.
Lourdinha afirmou que o “déficit” da Previdência não passa de um artifício contábil para atender os interesses do mercado: os recursos da Seguridade Social são remanejados para outros fins, como o pagamento da dívida pública. Ela defendeu que a contribuição substituta da contribuição previdenciária patronal sobre a folha de salários seja destinada ao pagamento de aposentadorias e pensões, conforme artigo 167, inciso XI, da Constituição Federal – pois a Previdência Social precisa continuar sendo pública, a fim de garantir cidadania e proteção social aos milhões de brasileiros que perdem a capacidade laborativa. É essencial que os financiamentos de saúde, assistência social e aposentadorias rurais sejam preservados.
O painel teve como debatedores três diretores do Sindifisco Nacional: os Auditores-Fiscais Luiz Cláudio Martins (Administração e Finanças), Marcos Barbonaglia (adjunto de Administração e Finanças) e Marcelo Lettieri (adjunto de Estudos Técnicos).
Lettieri abordou as regras de aposentadoria dos militares e destacou a importância de um sistema que garanta o bem-estar do servidor na velhice, seja ele civil ou militar, por meio de fontes de financiamento adequadas.
Luiz Cláudio Martins observou que o principal problema para a Seguridade Social é o seu financiamento; no entanto, sucessivos governos vêm optando pela diminuição das coberturas previdenciárias. Na própria Receita Federal do Brasil, a fiscalização das contribuições previdenciárias vem sendo esvaziada desde a incorporação da Receita Previdenciária.
Marcos Barbonaglia destacou a insegurança dos servidores diante de sucessivas reformas que ameaçam a estabilidade da aposentadoria. Criticou o desmonte do sistema previdenciário e o excesso de renúncias fiscais.
Veja o vídeo do segundo painel:
“O financiamento da Seguridade Social na América Latina e no Brasil” – No terceiro painel (com mediação da Auditora-Fiscal Cátia da Silva Beserra, da DS/Rio), foi abordado o cenário preocupante que opõe, de um lado, o aumento da expectativa de vida e o consequente envelhecimento da população e, de outro, a queda nas contribuições previdenciárias decorrente do fato de que mais de 50% dos trabalhadores da América Latina estão no mercado informal.
Ángeles Gandolfo e Lucas Roberto Fenoglietto, da Administração Federal de Receitas Públicas da Argentina, abordaram a expansão do mercado de criptomoedas, que movimenta hoje mais de 3 bilhões de dólares. As novas formas de prestação de serviços na era digital, a precarização crescente das condições de trabalho e as dificuldades de fiscalização fizeram com que as criptomoedas, que são emitidas de forma descentralizada e movimentadas sem intermediários, viessem a ser utilizadas por muitas empresas ao redor do mundo até para o pagamento de salários, o que levanta desafios regulatórios e de segurança.
Na Argentina, com inflação alta e restrições econômicas, elas não são oficialmente reconhecidas como moeda legal – mas o governo criou regulamentações para seu uso (por exemplo a incidência de impostos sobre ganhos com criptomoedas e a criação de um registro obrigatório para provedores de serviços de criptoativos). No Brasil tampouco elas têm reconhecimento legal ou regulatório específico; no entanto, o governo emitiu comunicados reconhecendo a legalidade de seu uso como meio de pagamento e como investimento. Como há propostas regulatórias em discussão para tratar de questões como a prevenção à lavagem de dinheiro e a proteção dos usuários, o desafio é a adequação da legislação e da fiscalização.
Miguel Enrique Tauta, da Direção Nacional dos Impostos e Alfândegas da Colômbia, contou que, lá, a Previdência Social teve como marco a Lei 100, de 1993, e é composta por três pilares: Regime Geral de Segurança Social de Saúde, Regime Geral de Pensões (SGP) e Regime Geral de Riscos Laborais. Entre os desafios que enfrenta, estão a necessidade de ampliação e melhoria da cobertura e da qualidade dos serviços de saúde, a sustentabilidade do sistema previdenciário diante do envelhecimento da população e a prevenção de riscos ocupacionais no trabalho.
O debate teve a contribuição dos diretores do Sindifisco Nacional Nory Celeste Sais de Ferreira (Defesa Profissional) e Dão Real Pereira dos Santos (Relações Internacionais e Intersindicais).
Nory elogiou o interesse dos jovens pesquisadores acerca do tema e destacou o compromisso da Federação de Funcionários de Arrecadação Fiscal e Aduaneira da América do Sul (Frasur) com o bem-estar das populações. Ressaltou que a concentração de renda, razão do desequilíbrio na Previdência Social, é retroalimentada pelo próprio sistema político e econômico; e conclamou os presentes a se engajarem na campanha de tributação dos super-ricos como forma de combater esse quadro disfuncional.
Dão Real salientou que a Seguridade Social é resultado do pacto social civilizatório, em que a sociedade, por meio do Estado, garante a toda a população um conjunto de direitos estabelecidos na Constituição. Esse entendimento depende da organização da classe trabalhadora, já que um Estado que defenda esses direitos confronta o setor privado e ameaça seus lucros. Com o crescimento do trabalho informal na América Latina, é preciso que a Seguridade Social seja financiada pelos mais ricos, por meio da tributação das grandes fortunas e rendas.
Veja o vídeo do terceiro painel:
Fotos: Sindifisco Nacional